O amor da pedra
O amor da pedra
No momento em que a Escola Freudiana havia sido dissolvida e em que em 1980 a doença de Lacan o aproximava do fim, seus futuros herdeiros consideraram que as instalações da Escola, seus membros e as publicações destes faziam parte do inventário, assim como o relógio sobre a lareira e as pequenas colheres de prata. O administrador da SCI (Sociedade Civil Imobiliária) da Escola foi, portanto, objeto de pressões diversas para que o imóvel da rua Claude Bernard 69 lhes fosse devolvido graças a um contrato de arrendamento redigido por eles, documento jurídico notável, que expropriava os membros proprietários de seus direitos, em benefício exclusivo e pessoal do gênio da organização que assim preparava o seu futuro.
Acontece que o referido administrador, mau caráter sem dúvida, acreditou que devia recusar tal deslealdade e fez com que se votasse, por unanimidade dos membros, a venda dessas paredes, não sem que Judith e Gloria, enquadrando Lacan colado a um telefone conectado com o administrador, tivessem intimado o afásico : “diga a ele para assinar! Diga a ele para assinar!” O infeliz imita um grunhido.
Esse caso fascinante, provavelmente decisivo para o futuro da psicanálise no mundo, teria terminado aí se a pressão exercida sobre Lacan não o tivesse levado, para aliviá-la, a redigir uma nota em que o administrador é qualificado de "miserável" antes que se sigam propostas sobre uma organização a ser prevista, testemunhando uma demência que invalida qualquer publicação possível. É por isso que esse documento ficou durante 40 anos acumulando poeira em uma gaveta, contraproducente, por outro lado, enquanto as testemunhas que ele cita fossem deste mundo.
É claro que espíritos meticulosos se surpreenderão com o fato de que a edição de hoje de um maço de papéis destinado a "ressuscitar" Lacan inclua um texto que só se distingue pela condenação desse administrador rebelde. Os exegetas certamente vão organizar um congresso a fim de analisar por que esse texto ilumina o ensino do mestre e faz com que se o conheça melhor.
Ah! sim, eu estava esquecendo: o administrador era eu.
Charles Melman
14 de dezembro de 2021
Les responsables pour la traduction sont Eduardo Rocha, Monica Magalhães, Maria Idália de Góes, Simone Gryner e Marcelo J.de Moraes (cartel de traduction du Espaço-Oficina de Psicanálise)