Devoto, ponta de barbante¹
Devoto, ponta de barbante
A responsabilidade penal do assassino tem sido julgada portanto segundo o estado da consciência, obnubilado ou não, que era o seu no momento do ato, fortemente perfumado aparentemente pela maconha. Vejam aí o que é certo, exceto se si indaga simplesmente aos interessados, aos juízes, aos teólogos e aos especialistas: o que é a consciência?
E o que é que vocês mesmos dizem sobre isso? Porque se se responde que é o estado determinado pela intervenção ativa prevalente e responsável do sujeito em seus pensamentos e em seus atos, o que se torna sua singularidade uma vez que seu estatuto é a submissão a uma ideologia, a uma religião ou mais simplesmente a uma ordem?
Em nosso caso (aquele da vovozinha jogada por uma janela porque nascera judia) a submissão é exigida por uma religião que quer que o fiel renuncie a toda prescrição que não seja a do texto sagrado, abolindo assim a reflexão, a análise e a responsabilidade pessoais. De sorte que esse texto enforma permanentemente uma consciência que, em detrimento de toda realidade, não tem outro autor senão o próprio Deus: sacrifício do sujeito para tornar efetiva Sua glória.
A maconha tem certamente por propriedade levantar as inibições, mas aquela que é prescritiva das vantagens da liberdade então
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¹No original, Marabout, bout de ficelle... Alude a uma brincadeira que se faz com as palavras: os jogadores devem falar uma palavra que começa com a última palavra/silaba do jogador anterior: Marabout – bout de ficelle – selle de cheval – cheval de course – course à pied – pied de cochon... E por ai vai. Por outro lado, um “marabout” é, em países mulsumanos, e particularmente na África, um santo local reconhecido como protetor da ceifa e cujo túmulo é objeto de um culto popular ; também ‘homem com poderes de adivinhação, de cura, um feiticeiro’. Ainda, bout de ficelle é ‘um pedaço de barbante’.
alcançada é a religião, que faz da obnubilação da consciência o fim de seu ensino.
Nada mais a ressaltar senão a verdadeira obnubilação provocada pelo procedimento, seja aquela do inconsciente, de todo desejo que seria singular.
Para voltar a nosso assassinato, traficante de profissão aliás e por conseguinte profeta, parece que ele se queixara, nos dias anteriores a sua empreitada, de ser enfeitiçado por seu padrasto. O conhecimento da psicologia africana faz com que feitiço seja tomado localmente por um fato fisiológico, ilustrando que ela tem uma melhor apreensão que nós da alienação com a qual se debate uma consciência sempre pronta, por toda parte, a renunciar a suas responsabilidades e portanto a abafar seu inconsciente.
Mas que a consciência seja covarde e isso diante de seu próprio inconsciente, é bem verdade.
Freud aliás teve que dizê-lo.
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