Relataram-me que, numa publicação recente, um amigo questionou minha “transferência exacerbada por Lacan”. Eu o diria claramente: ele tem razão.
Quando compreendi que, com os meios teóricos que nos dariam os seminários, a análise não era apenas o pretexto de uma hipotética cura solitária, mas o acesso à revolução cultural esperada desde sempre, eu fui a fundo (mergulhei). Quando vi o balé estupefaciente das traições e das deserções, por causa da perturbação do conforto social, eu militei. Quando apreendi a medida da mediocridade das objeções que lhe eram opostas, eu extrapolei.
Aliás, é divertido lembrar que esse mesmo amigo teve que fazer apelo a meus alunos “exacerbados” quando ele quis redigir relatórios dos seminários de Lacan. Teriam esses jovens igualmente temperado esses relatórios? Em todo caso, ele conseguiu perfeitamente essa laicisação na grande cidade do Leste onde Lacan o delegou para se encarregar dos jovens psiquiatras formados por Lucien Israel e para os quais este desejava mais. Ele curou perfeitamente uma parte deles, da psicanálise quero dizer, cuja violência e subversão eles esqueceram, e a felicidade também, talvez até o nome. Eu sempre amei o racionalismo desse amigo. Exceto, é claro, quando numa entrevista ele se declara nacionalista árabe. Eis aí uma exacerbação que não aprovo e que creio tornada obsoleta desde a “psicologia das massas” de Freud, retomada com os Nomes-do-Pai de Lacan. Em todo caso, digo francamente, entre nossas duas exacerbações eu prefiro a minha. E aprecio pertencer a uma Associação Internacional.
Feliz Ano Novo para ela e para esse amigo.
Charles Melman
Tradução: Letícia P. Fonsêca