O sintoma... é Real
14 mai 2006

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SCIARA Louis
International

Lacan propõe, em « RSI », uma escritura que suporta um real (lição 2): a do nó borromeu. Esta amarração dá conta da experiência clínica e é o que dá o « seu valor ». Esta escritura repousa sobre a materialidade mesma do nó, na qual o simbólico fica seguramente ligado ao real e ao imaginário, mas, principalmente, não totalmente preso ao real, como deixam supor seus escritos da lógica do inconsciente. Assim, o Real não é jamais redutível ao Simbólico. Esta escritura topológica do Real, testemunha, então, um passo fundamental transposto por Lacan, e tem evidentemente incidências importantes em nossa leitura da cura.
Por esse motivo, comentarei esta formulação surpreendente, radical, enigmática, de Lacan, que aparece desde as premissas da introdução do Seminário: « O sintoma… é Real » (as reticências, eu as coloquei, já que Lacan refere-se a elas sobre o sintoma).

Como entender isso? Que lugar ocupa o Urverdrängt – tão caro a Freud – este « inacessível do Inconsciente » (lição 6), este buraco do simbólico? Que importância isso tem sobre a transferência no nível da interpretação, e do fim da cura? O peso da multideterminação da estrutura não é ainda mais sensível?
Considero muito significativo que Lacan possa nos levar a tal orientação, sobre o traço do que ele qualificou, um ano mais tarde, em « O Sinthoma » (09/03/76) como sendo o « seu » sintoma, isso é, o Real. O quê mais revelador de seu desejo de analista que por em prova sua implicação subjetiva no discurso analítico que se amarra com os nós e com o manejo destes?

Para abordar essas questões, eu proponho em um primeiro tempo um retorno às observações primeiras de Lacan sobre o sintoma, antes de comentar o que ele irá desdobrar na « A Terceira » e no « RSI ».

A exposição de Roma de 3/11/74 é de fato fundamental, precedendo ao menos em três semanas o início do « RSI ». É nesta ocasião que Lacan dá uma primeira escritura do nó borromeano que especifica os diferentes campos do gozo.
Primeiro ponto: desde seus primeiros seminários Lacan falou do sintoma essencialmente em referência ao Simbólico e à articulação simbólico-imaginário.
Eis aqui alguns elementos:

– O sintoma é uma « pista » da história do sujeito (seminário 1). Como o indica Freud, é « o signo e o substituto de uma satisfação pulsional que não teve lugar… o resultado da moção pulsional tocada pelo recalcamento ». (Inibição, sintoma e angústia). – Lacan precisa também que recalcamento e retorno do recalcado são « uma só e mesma coisa, o direito e o avesso de um só e mesmo processo » (Seminário 3 – 14/12/55).

– O sintoma é substituição, metáfora. Ele é antes de tudo um fenômeno linguageiro. Assim, em « A relação de objeto » (23/1/57), Lacan observou a propósito de Dora: « seus sintomas são elementos significantes, ainda mais que sob eles corre um significado perpetuamente móvel, que é a maneira com que Dora se implica neles… o sintoma é neste caso apenas uma metáfora ». Ou ainda, em « Os quatro conceitos… » (13/5/64): « o recalque primordial é um significante, o que se edifica para constituir o sintoma, (é) um andaime de significantes. ecalque e sintoma são homogêneos e redutíveis às funções de Significantes. Sua estrutura, mesmo que se edifique por sucessão, como todo edifício, é, contudo, no final, inscritível em termos sincrônicos » (o que reenvia à escritura sincrônica mesmo do Nó « Bo »).

No entanto, Lacan valida a existência do real de diversas maneiras:
– « é pela via da metáfora que se cria a possibilidade de surgimento de sentidos sempre novos, dando sempre o sentido de profundeza ao que, no Real, é somente pura opacidade ». Ou seja: o que ressalta da opacidade do real não pode ser totalmente apreendido pelos efeitos do sentido e o jogo de substituição significante (« As formações do Inconsciente » – 13/11/57).

– O seminário « Os quatro conceitos… ») é fundamental. O desenvolvimento consagrado à repetição traduz a dimensão de impossível do Real. Compulsão sublinhada por Freud desde « Além do princípio do prazer », e que repete o sintoma. Eu retomarei mais tarde isso, que saiu do Real e do gozo.

– reportemo-nos agora à lição de 9/6/65, dos « Problemas cruciais… ». Lacan achata a banda de Moebius – uma face para o saber uma outra para a verdade. Estas duas não se conjugam a não ser por uma falsa sutura. Aquela do « entzweiung », a refenda do sujeito, que é também a de « Zwang », quer dizer, do sintoma enquanto « obriga » (compulsão de repetição) e divide o sujeito. O sintoma obtura este buraco entre Sujeito e Saber, entre Saber e Verdade.

Lacan acrescenta que « alguma coisa se manifesta de uma maneira opaca no sintoma (e que) a divisão do sujeito e do sintoma, é a encarnarão deste nível em que a verdade retoma seus direitos e sob a forma deste real não sabido…este real do sexo ao qual nós não acedemos, a não ser por meio de suplências ». Real da não relação sexual, mas também saber no real que escapa ao significante. Real mascarado pelo sintoma.

Assim, o saber inconsciente é furado, pois o real escapa ao simbólico (ou sai disso que é excluído do simbólico?), e o sintoma é apenas um « modo de sutura » singular a um sujeito para se acomodar com a castração e com a verdade. O sintoma não domestica jamais totalmente o Real, pelo fato de que ele não tem todos os elementos para isso… « Ele não tem nada mais que um objeto tem no mundo », indica Lacan em « A Terceira ».

– Notemos enfim, que Lacan antecipa a cadeia borromeana em « O desejo e sua interpretação », quando recusa a idéia de comparar o sintoma em uma relação qualquer com a frustração. « Há alguma coisa outra… que se chama desejo; se o desejo é algo que não pode se apanhar e se compreender a não ser… no ponto mais estreito em que se amarram juntos pelo homem real, imaginário e seu sentido simbólico ».

Segundo ponto: para a definição do sintoma como real

Na lição 11 de RSI, Lacan definiu o Real: ele « se mantém nesses termos o nome de « ek-sistência », de consistência e de buraco ». A ek-sistência, « suporta o Real », a consistência é de ordem imaginária, e o furo é aquele do Urverdrängt, que é simbólico.

Para dizê-lo rapidamente, Lacan passa então do impossível como dimensão própria do Real, a esta escritura topológica do nó « Bo », na qual, para manter juntas as três categorias, precisa e restitui a categoria do Real, no que concerne, evidentemente, ao real da clínica.

Em « A terceira », há uma passagem sobre a questão do sintoma. Lacan enuncia: « eu chamo de sintoma o que vem do Real », precisando que « o sintoma é alguma coisa que antes de tudo não cessa de se escrever do Real », Real sendo « o que volta sempre ao mesmo lugar » (fórmula já presente em « Os quatro conceitos… »).

Essa passagem é importante se nós nos reportarmos ao que Lacan evoca sobre o conceito na lição 8: « isso se limita à pegada… e uma pegada não basta para se assegurar de que é o Real que se tem na mão ». Ou seja, além do conceito de sintoma, de sua simbolização pelos significantes, há o real do sintoma. O sintoma não pode ser escutado além do sentido, da representação e dos significantes, a não ser enquanto aquilo que vem do real.

« Vem », « volta » são termos que reenviam evidentemente ao automatismo de repetição, a além do princípio do prazer, também a « touché e automaton » – há alguma coisa que faz signo no real, algo que não vai bem – isso que caracteriza, enfim, o sintoma como queixa repetitiva, no coração da demanda de análise. Que a repetição do sintoma seja « escritura » de letras excluídas do simbólico (lição 4), que não cessa de se escrever no Real, é o que permite também sua legibilidade e sua interpretação.

Lacan nos conduz assim de uma definição freudiana do sintoma (« o efeito do simbólico na medida em que ele surge no Real, por isso este simbólico… que o inconsciente é… o que responde do sintoma ») (lição 1), ou ainda: « o sintoma se mantém disso que nós suportamos em nossa linguagem de falasser, na fórmula: « o sintoma é real » (lição 6). O que importa, de fato, é este assujeitamento no equívoco de que ele faz parte, pois isso se apóia sobre o significante, sobre o retorno do recalcado, mas há alguma coisa na repetição no mesmo lugar que mantém o real, e que é inerente ao fato de que « o significante faz buraco » (RSI, pág. 153). O significante, isso fala, mas há um resto que é do real, amarrado à construção significante.

Por outro lado, Lacan recorreu a esta metáfora em « A Terceira »: « isto se apresenta como um peixinho, cujo bico voraz só se fecha ao colocar sentido entre os dentes. Então, de duas uma: ou isso o faz proliferar… ou então ele morre disso ». E ele acrescenta: « o sentido não é aquele com o qual nós o alimentamos para sua proliferação ou extinção, o sentido do sintoma é o real… na medida em que ele se atravessa aí para impedir que as coisas andem » (há alguma coisa que não funciona efetivamente, e que faz signo). Observa-se aqui como Lacan insiste sobre o gozo do sentido no que concerne ao sintoma. Isso é mais claro no seminário RSI, mesmo se o sintoma mantém três gozos (fálico, do Outro e do sentido). Lacan estigmatiza o sentido, para sublinhar, de uma parte, que o sintoma como o peixinho, reclama, e é assim que os analistas podem se perder com seus analisantes, e, de outra parte, que sua dimensão, ressaltando o imaginário do corpo e sua simbolização, permite nomear as três categorias do real, simbólico e imaginário.

Quando Lacan afirma que « o sentido do sintoma é o Real », não é questão do sentido que alimenta o sintoma, mas sim do sentido que reenvia ao Real, o real como o que ek-siste ao sentido. Muito explicitamente, na lição 7 do RSI: o real « é o expulso do sentido, é o impossível como tal, é a aversão do sentido ». Assim, o sentido do sintoma é o sem-sentido, aquele do equívoco significante no sintoma mesmo e sua interpretação.

A noção de sintoma como real repousa sobre a clínica. O sujeito se engancha em seu sintoma porque ele acredita nele (RSI, lição 4). Ele retira daí sua verdade – uma verdade vinda do Outro. Que o sintoma se exprime pelo significante, que ele tenha certa consistência (a da corda verdadeira), que ela seja mesmo homogênea àquela do inconsciente (lição 6), só mascara que existe um X, um real que escapa da tomada do significante, do simbólico e que pode se escrever por esse « X », estas letras que o simbólico não pode se apropriar. São as letras do recalcamento primordial, do buraco do simbólico, e procedem do Real. Esta é a única maneira de estigmatizá-lo visto que ele é impensável de outra forma. Escrever assim para assujeitar o que não cessa de não se escrever.

De onde vem a questão do sintoma e da não-relação sexual: « a chave do buraco do Real »? Em « A terceira », há esta frase: « o sintoma é a irrupção desta anomalia em que consiste o gozo fálico, na medida em que aí se mostra, se desabrocha essa falta fundamental que qualifico de não-relação sexual ». E ele lembra que as mulheres « não-todas » inscritas no gozo fálico, dão a prova do real do sintoma. O real não é um todo. Se o sintoma é o Real, isso não é tampouco o campo do Real. A escritura do nó borromeano apresenta pontas de real, tanto o objeto a, como os diferentes gozos.

Se a linguagem é a inscrição mesma da não-relação sexual, Lacan vai ilustrá-lo de certa forma na lição 4 – « o pai tem a função de sintoma ». Para isso sua única garantia de função é que ele tenha direito ao respeito – quer dizer, que este respeito seja orientado « paiversamente » – dado por uma mulher, o objeto a que causa seu desejo. Para o resto, « basta que ele seja um modelo da função ». Ora, é incompatível com sua função de exceção, já que ele não pode ser modelo da função a não ser ao realizá-la. Missão, então, impossível, que escapa ao pai. Impossível da não-relação sexual. E guardiã do pai schreberiano educador que se funda sobre um dizer justo e verdadeiro mais que sobre « o justo não dizer ».

E ainda, há este enunciado de Lacan (lição 4): – « Quem está atulhado de falo, quem, além de uma mulher? Um sintoma! » – continua – que se um homem crê, que há um, dois, muitos, é porque de fato « ele crê que exista um gênero ». E crer nisso, é « crer nos seres, na medida em que eles podem dizer alguma coisa ». O mais surpreendente no sintoma (eu já o evoquei) é que se acredita nisso, a exemplo dos homens que crêem na mulher como o gênero que pode dizer – revelar – alguma coisa sobre a verdade deles.

Esta face do sintoma é bem mais que uma ilustração clínica, pois ela concerne á não-relação sexual. Crer nisso, acreditar para crer que o sintoma seja dizível e decifrável totalmente. O fato de crer no sintoma é então um efeito da não-relação sexual, deste Real. É para diferenciar dos fenômenos elementares dos psicóticos, quando por exemplo, as vozes falam, eles acreditam nelas. Crença que é, nestes casos, uma certeza inabalável com todo peso de significação pessoal que isso implica.

Se « a mulher não existe », « uma por uma elas ex-sistem… como sintoma ». Lacan exprime esta crença própria ao sintoma (lição 7): « Não existe relação sexual, pois nenhuma redução é possível na diferença das consistências dos três registros. Eu creio nisso, no sentido em que isso me afeta como sintoma ».

Terceira parte: Sintoma e Gozo

O sintoma é para um sujeito « sua marca privada » (Melman), a marca de sua divisão, e a testemunha de seu inconsciente que fala. Ele é « viciado » nisso, de uma parte porque ele faz compromisso com seu desejo inconsciente e de outra parte, porque justamente seu gozo é ali correlato. O que recobre então este termo de gozo?

Em « A Terceira », Lacan escreve: « o que faz laço e lugar » para cada gozo (do Outro, do corpo, fálico, do significante, fora do corpo, do sentido). Para cada um há um campo de gozo que se especifica da interseção, na estrutura do nó borromeano. Cada interseção tem duas partes, « já que há intervenção do terceiro campo, que dá esse ponto onde o encurralamento central define o objeto a ». As três partes centrais, das três interseções encerram então, o objeto a. ora, « é sobre este lugar do mais gozar que se ramifica todo gozo » (A Terceira). Lugar mais ainda furado que determina a ex-sistência do nó, e amarração a ser entendida como sendo do desejo mesmo (lembrem-se do ponto mais estreito onde se amarram juntos as três categorias em « O desejo e sua interpretação »).

Lacan não escreve o sintoma no mesmo lugar, no aplanamento do nó na Terceira (dentro do nó do Simbólico) e no RSI (dentro do nó do Real, e onde pode-se constatar que o gozo do sentido é exterior ao círculo do Real, o que permite dizer que o sintoma é do Real, e que o Real é sem-sentido). Antes eu pensava que se tratasse de um erro de transcrição ou, ainda, que Lacan teria feito uma retificação para ressaltar que o sintoma era real, constituído pelas letras excluídas do simbólico, e não tanto um efeito do simbólico. De fato, a questão não estava aí.

Se Lacan começa a Terceira dizendo « eu penso logo sou », e então sublinhando além do sintoma de Descares, que sintoma e gozo estão estreitamente ligados, é antes de tudo para dar conta de que o gozo é da ordem do Real. E como do Real nós só tocamos as pontas, isso se entende como pontas de gozos diversos, tanto do fálico, do Outro, de do sentido, todos ramificados do objeto a – este real. Daí as duas definições muito próximas: – « O sintoma é a maneira em que cada um sofre em sua relação com o gozo, por isso que ele não se inscreve a não ser pela fronteira do mais gozar (« De um Outro ao outro »). – « O sintoma não é definível de outra maneira, a não ser pela que cada um joga do Inconsciente como o Inconsciente o determina » (RSI, lição 6).
Gozo então plural, mas também comum ao sintoma (recalcamento original) e do fantasma primordial que se apresenta ao mesmo tempo lógico de queda do objeto a. Gozo singular a um sujeito, ponto fixo que organiza sua ex-sistência, e que faz do sintoma a identidade singular de um sujeito.

Quarto ponto: Do nó borromeu a três, ao nó a quatro (ou: a evidência da função e do valor do real do sintoma)

No nó a três, o sintoma ocupa um lugar de referência no círculo do real (cf. o aplanamento do nó, RSI, lição 4). No nó a quatro, o sintoma é o quarto círculo, que Lacan indica na lição 11: círculo freudiano, qualificado igualmente em outras lições do RSI como « realidade psíquica » ou ainda de « complexo de Édipo ». Círculo do sintoma social, do mal estar na civilização, sobre o qual C. Melman insiste. Este círculo do sintoma assume certa consistência que não ele não possuía no nó a três. Ora, topologicamente, ele se mantém a três. Uma questão se apresenta, então: será que podem existir estruturas clínicas, para as quais o sintoma são seria mais necessário sem que estes sujeitos sejam nem loucos nem neuróticos? Neste caso, os sujeitos da « nova economia psíquica » evidenciada por C. Melman, poderiam corresponder a estas estruturas. Mas o que me confunde é que Lacan inscreve, apesar disso, o sintoma no círculo do real, e lhe dá, assim, um lugar no nó a três. Então, será que as condições da cultura e do social podem, como Real, não mais impor o sintoma, a ponto de que ele não faça mais quarto nó? O sintoma poderia desaparecer? Ou, então, se poderia considerar que ele assuma novas formas, menos diretamente correlatas à lei da castração?

Contudo, podemos constatar que Lacan termina por sublinhar a necessidade de um quarto elo para fazer a amarração borromeana. É por isso que este último círculo não somente se impõe, pela topologia mesmo, mas ele vai definir uma ordem. Este elo capital é aquele da nominação – ele amarra borromeanamente os três outros círculos. Lacan descreve na lição 11 três tipos de amarrações borromeanas a quatro, tiradas do desdobramento de cada círculo (R,S, I). Define o sintoma – [Ns (R<>I) S] – como sendo aquele do desdobramento do Simbólico, e o nomeia (Nominação simbólica). Dando-lhe valor de quarto círculo o sintoma é evidenciado da maneira mais clara, revelando sua função e sua necessidade. Mas, escrevendo Ns – Nominação simbólica, « enquanto que no símbolo surge algo que nomeia », ele insiste também em retornar sobre sua dimensão simbólica, pois Ns vale como efeito de nominação pelo sintoma mesmo, outro modo de insistir sobre « o efeito do simbólico no Real ». Então, esse quarto elo, Ns, a que registro ele pertence? Desdobramento do simbólico, falso-buraco, não é mais do Simbólico. Teria valor real? Será o Real em si? Ou bem pelo fato de não pertencer a nenhum registro, o sintoma é real porque por seu nó ele induz que o real do nó obtido funcione como sintoma?

Enfim, outra questão, mostrando topologicamente a necessidade de um quarto elo, o do sintoma: será que Lacan não inscreve assim o índice de um tempo lógico posterior ao do buraco da queda do objeto a? Dito de outra forma, certa diacronia na sincronia mesmo do nó borromeano. Pode ser, podemos melhor assim apanhar a correlação manifesta entre falo e objeto a, seja o que vem amarrar de alguma forma o falocentrismo do sintoma freudiano com o lugar princeps do objeto a, tão querido de Lacan, no centro dos três anéis?

Que conseqüências podemos tirar do fato de que « o sintoma… é Real »? Digamos que o sintoma é o que caracteriza o discurso analítico (a psicanálise é um sintoma, afirma Lacan em A Terceira). No plano da interpretação, « assujeitar o real até o ponto em que a linguagem possa fazer equívoco », implica a que ponto o equívoco é uma condição indispensável para reduzir e o sentido e seu gozo, que fazem fascinação. O fundamento da eficácia da interpretação é o sem-sentido, o meio-dizer. Assim, o analista tem por função substituir um efeito de sentido real, « tal que ele faça nó », na onipotência imaginária do sentido que seria exato, que diria a verdade. Entrar no jogo dos nós, na medida em que nós somos « os pacientes da triplicidade » (« Os não-tolos erram », 15/01/74) contribui para continuarmos tolos, para acreditar.

Para se chegar a uma cura, não é também sem algum ensinamento. Uma vez atravessado o tempo lógico das voltas do sintoma, e do fantasma na repetição, há um efeito desviante, pois algo resta indecifrável – um Real. E se quase não é possível mudar seu sintoma, como seu fantasma, ao menos isso ocorre quando advém nas curas, que se trata de « o que fazer com ele », de se virar, de alargar sua perspectiva. Lacan resume assim o trabalho do analista, em A Terceira: « é ao pegá-lo bem, que vocês podem responder ao que é sua função: oferecê-lo ao analisante como causa do desejo dele ». Este real em jogo produzido pela cura, Lacan o define: objeto a.

O fato de que o sintoma seja também real, só reforça a importância da multideterminação da estrutura de um sujeito, e de que existe um ininterpretável, por causa do Urverdrängt », da rocha da castração. – Não é algo da ordem de uma « vitimologia histérica » do real de um traumatismo com a irresponsabilidade do sujeito que se conjuga aí!

Enfim, sempre na Terceira, Lacan escreve: « Não é absolutamente do analista que depende o advento do real. O analista tem, por missão, desafiá-lo ». É o analista, então, que depende do Real. « Desafiá-lo » pode ser entendido de diversas maneiras: – continuar a fazer valer a incidência do real a partir de sua própria relação com seu real: « o único exorcismo do qual a psicanálise é capaz, é a decifragem, que se resume ao que faz cifra, ao que faz com que o sintoma não cesse de se escrever no real. »

– Respeitar a dimensão do sintoma não para cultivá-lo no analisante, mas para fazer valer no que ela se inscreve na não-relação sexual.
– Sobretudo participar do descolamento do analisante de seu gozo, para fazê-lo compreender que existem outros gozos, o que poderia levar este último a se aliviar um pouco.

A psicanálise parece-me depender para seu futuro, de um real que justamente continua a confirmar a lei da castração. Mas, este real poderia ser comprometido pelo progresso da ciência, do digitalizado, da imagem. Na clínica, nós constatamos que ainda são freqüentes os neuróticos com sintomas clássicos, mas que, cada vez mais, emergem « sujeitos modernos da nova economia psíquica », franqueados da castração, « assintomas » (J.P.Lebrun) não-psicóticos, para os quais o que os interpela exige uma resposta imediata por um objeto do mercado reparador. Se a castração não é « a lei definitiva da humanidade », se o buraco da linguagem não é mais obrigatoriamente o do sexo (C. Melman), isto poderia nos causar – aos analistas que dependemos do real – sensíveis contrariedades, e pôr em perigo a psicanálise.

Trabalho apresentado no Seminário de verão da AL.I., Paris, setembro de 2003

Tradução: Ligia Gomes Victora

Em francês « trace ». Significa também marca, pegada, vestígio, resto.

Lacan. Seminário Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1963/64)

Em francês « pèreversement » (soa como perversamente): na direção do pai. (N.da t.)

Lacan, J. « RSI » Seminário-974/75. Edições da Associação lacaniana internacional

Lacan, J. « A Terceira ». Tradução Ângela Jesuíno Ferretto e/ou; in: Cadernos Lacan II, Edições da APPOA, Porto Alegre, 2001

Melman, C. « L’homme sans gravité ». Ed. Denoël, Paris, 2002