O ato analítico e a tarefa da instituição analítica
07 juin 2025

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Eduardo DE CARVALHO ROCHA
Journées d'études

Lacan em seu seminário sobre o ato analítico propõe dois polos, o do analista, que é responsável pela sustentação do dispositivo, e o do analisante, que tem a tarefa da associação livre. Apoiada na suposição do sujeito suposto saber, nesse ato de fé, ele diz que a transferência é o meio por onde essa suposição se torna desser. Lacan nos chama atenção para o fato de que ao aceitar a tarefa da associação livre, o analisante admite a verdade do ‘eu não penso’, o que já implica a destituição do sujeito. Essa tarefa- única no mundo pela psicanálise- leva ao que Freud enunciou como castração, e que deve ser ‘tomada como experiência subjetiva’.  Isto é, não há relação sexual, não há realização subjetiva possível do sujeito como parceiro sexuado.

 

Lacan insiste nesse seminário em considerar a experiência de uma análise como uma experiência lógica, um progresso lógico, e que é o analista que dá corpo ao que esse sujeito se torna, sob a forma de objeto a.  Lacan nos diz que para o analista já há saber do desser do sujeito suposto saber, “à medida que ele é a posição de partida de toda essa lógica”.

 

Mas qual é a medida de esclarecimento de seu ato? Já que deste ato ele é a verdade (pág.95). Uma verdade conquistada ‘não sem sabê-lo’. E nessa passagem da conquista, fruto da tarefa, à posição daquele que franqueia o ato para que essa tarefa possa se repetir, Lacan diz que o analista age ao ser capaz de uma imisção significante que não é suscetível de nenhuma generalização que se possa chamar saber. E lança sua questão: o que é preciso que seja possível para que haja um analista?

 

Ainda neste seminário, ele fala de um salto para abordar a passagem de analisante a analista. Um salto que é preciso fazer e que “é impossível falar disso sozinho”, isto é, é preciso outros que recolham os efeitos e mesmo o que seria a estrutura desse salto. O passo resulta do questionamento do Sujeito suposto saber. Daí, minha questão: como uma instituição analítica, em seu funcionamento, pode operar para manter vivo esse questionamento? Ele nos dá uma pista: “o modo de exercício da questão, a formulação de uma lógica que torne manejável a revisão desse pressuposto”. E indica que o que está em jogo nesse passo é algo da ordem da verdade, e não do saber.

 

 E de que modo certos dispositivos institucionais podem ser mais favoráveis à formulação de uma verdade nesse salto?

Se seguindo a enunciação freudiana do ‘soll Ich werden’ Lacan chegou ao ‘muss Ich (a) werden’, minha questão reitera aqui, com o que é a função de uma instituição analítica, tanto enquanto lugar para onde os analistas podem (ou devem?) inscrever aquilo que resta desse lugar de dejeto, desse a, desde onde partem e chegam em cada análise conduzida, como também enquanto lugar que poderiam sustentar enquanto discurso o estatuto desse objeto a no laço social. Em suma, parece-me que são várias as tarefas que se colocam para uma instituição analítica, dentre as quais aponto, de saída, as seguintes:

 

– Ocupar-se de transmitir os textos fundadores de nossa disciplina, isto é, aqueles de Freud e Lacan, e alguns outros que se inscrevem numa direção de leitura, e que tiram consequência dessa leitura para manter o lugar da psicanálise no mundo. Para nós, da Ali, esse é o lugar e função da posição de Charles Melman, assim como de Marcel Czermak e de alguns outros que vêm fazendo importantes percursos nessa linha de transmissão.

 

– Responsabilizar-se pela parte do “com alguns outros” que Lacan incluía na autorização para o exercício do psicanalista (um analista se autoriza por si mesmo e por alguns outros). Mas como opera essa autorização, essa forma de reconhecimento? Por quais dispositivos?

 

– Lacan propôs lugares e funções diferentes em sua Escola, e estabeleceu distinções entre hierarquia e gradus, e propôs 2 lugares, o de analista membro e analista da Escola. A Ali tb considerou dois lugares diferentes: membro e analista membro. Quando Lacan propôs essa diferenciação ele considerou e distinguiu responsabilidades com as curas e com o avanço da psicanálise no mundo. E hoje, como nos situamos em relação a esses lugares e funções em nossas instituições? Seguimos da mesma forma ou inventamos outros?

 

-Um outro ponto, não menos importante, é sobre os laços de trabalho entre os analistas de uma mesma instituição, e desta com outras. O que poderia reuni-los num trabalho comum, considerando suas histórias, transferências e tempo de percurso de cada uma? As sociedades analíticas se fundam sobre um real, que desconhecem. Um trabalho entre escolas poderia ter como objeto o reconhecimento (e a escritura) desse real sobre o qual se fundam?

 

– como a experiência de análise, onde o analista se torna esse objeto a que é rejeitado no real, o que essa posição de rejeição pode nos ensinar sobre os possíveis trabalhos em nossas instituições? De que maneira esse real incide sobre como cada instituição conduz um ensino e transmissão, e sobre como se endereça aos outros?

 

– no trabalho institucional, e nos endereçamentos inter- institucionais,  partimos tb da mola do Sujeito suposto saber, e se sim, o que distingue uma transferência de trabalho?

 

Talvez tomando alguns desses pontos, ou mesmo outros que se queira propor, como pontos comuns de trabalho, nossa tarefa de transmitir a psicanálise, em intensão e extensão, possa ser mais interessante, e desejante. É uma aposta.